Diga Leitor / Carta ao Director

Casamento Homosexual

Carlos Brum Melo /

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O recente lançamento da proposta de legislação sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo suscita um debate jurídico, ideológico e sociológico que se torna interessante desenvolver, explicitar e delimitar. Em termos jurídicos, o ordenamento jurídico português actualmente obsta ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (art.1577º do Código Civil), uma vez que apenas permite expressamente o casamento entre pessoas de sexos diferentes. No entanto, a recente doutrina tem sustentado a existência de uma desarmonia sistemática e inconstitucional. Na opinião do Professor Jorge Duarte Pinheiro (Escola de Lisboa), suscita-se uma incompatibilidade do preceito com o art.13º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, no qual dispõe que: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, (...) ou orientação sexual.”. O mesmo ordenamento jurídico tem uma visão do casamento civil não no sentido da pura perspectiva biológica da procriação mas no reconhecimento de direitos e obrigações aos conjugês que comunham do mesmo leito, mesa e habitação. É a razão pela qual se justifica a impossibilidade de dissolver o casamento civil com justificação exclusiva baseada na impotência sexual do outro cônjuge. No campo ideológico, é necessário observar que a cultura portuguesa se funda em tradições profundamente católicas. Porém, não se deve confundir a modalidade de casamento católico com o civil. O casamento católico rege-se pelas respectivas normas canónicas, no qual o ordenamento jurídico não se imiscui, apenas reconhecendo efeitos civis decorrentes da sua celebração através da Concordata da Santa Sé celebrada com o Estado Português em 2004 (vigora em Portugal um sistema de casamento civil facultativo). A eventual introdução do casamento entre pessoas do mesmo sexo será uma forma de casamento civil, e não católica. É uma questão que vem suscitando a confusão da comunidade e dos menos informados, que poderão pensar que a abertura do casamento civil a pessoas do mesmo sexo irá levar essas pessoas a “casar pela Igreja”, contrariando e violando os preceitos canónicos. Em termos sociológicos, é necessário analisar a abertura do casamento homosexual no contexto actual. Existe o perigo de a eventual inovação (e ruptura) legislativa num sentido diverso do actual criar um costume contra legem (prática habitual e reiterada com a convicção de obrigatoriedade desconforme com a lei) que force a mesma a não aceitar esta forma de casamento, como forma sancionatória resultante das profundas convicções católicas da sociedade portuguesa. Por outro lado, a mentalidade da mesma tem-se vindo a alterar e demonstrar maior abertura à concessão de direitos aos indivíduos do mesmo sexo que vivam em comunhão. Actualmente a Lei da União de Facto já reconhece certos direitos e que ninguém contesta. Igualmente no tema do aborto que suscitou enorme controvérsia, uma vez legislado sobre a matéria deixou de se verificar um juízo recriminador mas uma aceitação generalizada. Portugal, tem tradição histórica de ruptura com os costumes e preconceitos sociais que o projecta no sentido da vanguarda da convivência social e reconhecimentos dos direitos, liberdades e garantias pessoais (relembrando a abolição da escravatura em 1869), parece acompanhar a tendência comunitária de alguns países da União Europeia (Holanda, Bélgica e Espanha) e de alguns Eurodeputados (baseando-se no Princípio do reconhecimento mútuo dos casais). O momento é de ponderar a importância deste valor na concepção de comunidade actual, e o eventual impacto da ruptura através da extensão de direitos, liberdades e garantias a casais do mesmo sexo que pretendam ver reconhecidos entre si as mesmas pretensões que qualquer outro casal como obrigação de alimentos ou vantagens fiscais, assim como o direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da sua personalidade.